Melencolia I, Albrecht Dürer, 1514 (Domínio Público)

O futuro apagão da nossa história coletiva: a ausência das coleções dos nossos museus online

Luis Ramos Pinto
2 min readJul 3, 2023

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Artigo de opinião: jornal Expresso (30 junho 2023)

Apesar da pandemia ter acelerado a digitalização das coleções dos museus em todo o mundo, Portugal ainda tem muito trabalho a fazer no que diz respeito à disponibilização das suas coleções online. Se continuarmos a disponibilizar as nossas coleções de forma limitada, arriscamo-nos a que a história das nossas coleções seja excluída da maior rede de conhecimento de sempre, a internet.

Para que as coleções dos nossos museus sejam facilmente acessíveis, interoperáveis, reutilizáveis e integradas com outras informações na internet, é essencial que as suas bases de dados e imagens sejam disponibilizadas com licenças abertas, ou seja é necessário que se adotem políticas de acesso aberto. Só assim é que as coleções podem ser facilmente encontradas através de motores de busca.

Uma política de acesso aberto traz benefícios significativos. As imagens e dados ganham visibilidade internacional e podem ser apresentados em sites como a Wikipédia, beneficiando professores, pesquisadores e alunos. As obras “A Rapariga do Brinco de Pérola”, de Vermeer, e “A Ronda da Noite”, de Rembrandt, disponíveis no domínio público, demonstram o impacto global e o aumento do turismo cultural que uma política destas pode ter.

Não surpreende que mais de 650 museus em todo o mundo adotem políticas de acesso aberto, incluindo o Rijksmuseum, o Metropolitan Museum of Art e todos os museus municipais de Paris. A União Europeia apoia a liberdade de dados e imagens, defendendo a disponibilização aberta de informações e base de dados do setor público, e destaca que as imagens no domínio público devem ser disponibilizadas como tal.

O acesso à cultura é um direito constitucional básico, e disponibilizar a nossa cultura abertamente na internet é a melhor forma de democratizar esse acesso. No entanto, os nossos museus priorizam conteúdos impressos em vez de sua disponibilização online, e as nossas políticas são contraditórias. Enquanto a Biblioteca Nacional adota uma política de acesso livre, o Regulamento de Utilização de Imagens dos museus da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) impede a sua livre reutilização. A base de dados das coleções dos museus online, a MatrizNet, também não possui licenças livres.

Considerando a oportunidade do Plano de Recuperação e Resiliência, que oferece recursos para a digitalização, e a era digital em que vivemos, é crucial que o Estado Português e o Ministério da Cultura sigam o exemplo da Biblioteca Nacional e adotem uma política de acesso aberto para as coleções dos museus sob a alçada da DGPC. Assim, todos poderão desfrutar dos conteúdos únicos que essas coleções abrigam.

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Luis Ramos Pinto

Portuguese Open GLAM activist. Previously digital practices advisor to Portugal’s National Museums and Europeana’s Network Coordinator